A explosão da dengue no Brasil

Revista Viva Saúde.
09/06/22
Cristina Thomaz
REGIÃO
Sudeste
LOCALIDADE
Brasil - São Paulo
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2022 vem registrando um aumento alarmante no número de casos.
E, ao que tudo indica, para reverter o quadro não basta apenas vencer a resistência do mosquito Aedes aegypti. É preciso combater também a desinformação e o afrouxamento das medidas preventivas.
Há dois anos e alguns meses começava uma pandemia viral que impactou profundamente o sistema de saúde, e tudo indica que enfrentaremos uma nova epidemia muito em breve.
Só que desta vez o agente causador é bastante conhecido de todo brasileiro: o vírus da dengue. Segundo dados do Ministério da Saúde, entre os dias 2 de janeiro e 26 de março de 2022, houve um aumento de 72% no número de casos notificados no país em comparação com o primeiro trimestre do ano anterior. E os números não param de subir. Mas por que a dengue segue sendo uma ameaça tão grande? Na visão do infectologista Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), muitos fatores podem ser considerados para responder a essa questão. E eles vão desde uma possível subnotificação dos casos em 2021 ao afrouxamento das medidas preventivas.
A desinformação também pode ter dado mais força ao já resistente vetor da doença, o mosquito Aedes aegypti: uma pesquisa realizada pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) a pedido da fitofarmacêutica Takeda e com coordenação científica da própria SBI mostrou que 31% dos entrevistados acreditavam que a doença deixou de existir no período da pandemia, o que não é verdade, como esclarece o próprio Chebabo, em entrevista exclusiva à VivaSaúde. Acompanhe.
A dengue sempre foi um problema sério no Brasil, mas por que só agora os casos aumentaram tanto? Esse é um problema sério de saúde pública e vem registrando períodos endêmicos importantes desde a década de 1980.
Trata-se de uma doença sazonal que acomete todo o território nacional – e não só as localidades mais quentes e úmidas.
Mas o crescimento de casos registrados em 2022 pode ser analisado por meio de vários fatores. Um deles, por exemplo, é uma possível subnotificação dos casos em 2021, em função da pandemia da Covid19 e do colapso do sistema de saúde que enfrentamos. Também podemos pensar que muitas pessoas que tiveram dengue não buscaram ajuda médica ou até nem reconheceram a doença, já que alguns dos sintomas são semelhantes aos da Covid. Além disso, 2021 também foi um ano mais seco, e o mosquito encontra melhores condições para se proliferar em períodos mais chuvosos.
A volta da dengue tipo 2 no país também entra nessa lista de possíveis causas? É verdade que, entre os casos atualmente detectados, existe uma prevalência da dengue tipo 2, um dos sorotipos mais agressivos da doença. E ele não circulava há dez anos no país, por isso o volume de pessoas suscetíveis a uma contaminação é bastante grande. É preciso explicar que a dengue costuma dar uma imunidade duradoura ao infectado, mas, se uma pessoa contrair a dengue tipo 1, por exemplo, ela não terá proteção imunológica contra os subtipos 2 ou 3, por exemplo.
Ainda que esteja claro o aumento dos casos, uma pesquisa recente mostrou que tem muito brasileiro achando que a dengue é coisa do passado, né? Foi surpreendente constatar que as pessoas de fato acreditaram que a dengue desapareceu durante a pandemia, mas eu até compreendo os motivos que as levaram a essa conclusão. Como só se falava de Covid-19, e o tempo todo, todas as outras doenças ficaram negligenciadas. No entanto, acreditar que a dengue desapareceu porque outra doença ocupou o noticiário é grave. Porque, quando as pessoas acreditam nisso, elas deixam de tomar as medidas de precaução que realmente podem evitar a doença.
A pesquisa também mostrou que 48% dos entrevistados consideram que os cuidados com a dengue durante a pandemia diminuíram. Como analisa esse dado? O combate ao vetor da dengue, que é o mosquito Aedes aegypti, precisa ser parte de uma política pública permanente, com campanhas e agentes públicos trabalhando o ano todo, e não só no verão.
Isso porque, mesmo no inverno, o ciclo ovo-larva-mosquito não é interrompido, ele só é menos intenso. E qualquer falha nos cuidados preventivos faz com que o mosquito se prolifere mais rapidamente.
O Aedes é um mosquito domiciliar e costuma se fixar dentro das residências: na calha, no quintal, na piscina que não está sendo cuidada, na caixa-d’água que está com a tampa quebrada e no prato de planta com água acumulada. E uma casa contaminada vira um foco para todo o bairro.
Por que o Brasil é um país que favorece a proliferação de doenças como a dengue, Zika vírus e Chikungunya? O Brasil é um país tropical com temperaturas altas e bastante chuva. São condições que favorecem a proliferação do Aedes aegypti, e por isso sempre tivemos uma alta prevalência das chamadas arboviroses, que são essas doenças que você citou. No entanto, em função das desordens climáticas, essa faixa tropical tem se ampliado. O Sul do Brasil, por exemplo, tem um clima mais temperado, mas já tem muitos casos de dengue. Há também notificações no Sul dos Estados Unidos, com pequenos surtos ainda, e não na mesma proporção do que vemos aqui.
Também ouvimos relatos de Zika vírus na França, o que prova que a área de proliferação está em expansão.
Podemos dizer que a dengue é uma doença que evoluiu ao longo do tempo, por isso tornou-se endêmica no Brasil? A dengue é uma doença endêmica com períodos epidêmicos. Ela não mudou suas características e sorotipos – isso tudo é conhecido há muito tempo. O que mudou foi que o vetor evoluiu e continua se proliferando com facilidade. E fomos nós que permitimos que ele se adaptasse às nossas condições, o que faz com que a doença se dissemine facilmente. A desestruturação das cidades e seu crescimento desordenado, as dificuldades sanitárias e a facilidade de movimentação das pessoas pelo país – combinadas às características climáticas do Brasil que já comentei antes – compõem o cenário perfeito para a dengue se manter entre nós.
Já existe uma vacina contra a dengue aqui no Brasil.
Por que ela ainda não foi inserida no Programa Nacional de Vacinação? A vacina que existe hoje não pode ser utilizada de forma massiva porque ela tem um risco importante para quem não teve dengue, ou seja, a pessoa, em caso de escape vacinal, pode ver seu quadro evoluir para uma infecção grave. Portanto, para receber essa vacina, é preciso que a pessoa faça um exame prévio que comprove que já teve a doença. E esse pré-requisito é um complicador para campanhas.
Então não funcionaria fazer uma campanha massiva, como foi feito para combater a Covid-19 no Brasil? A dengue é uma doença grave que mata e ainda atinge milhões de pessoas no país.
Se tivéssemos uma vacina eficaz e segura para todos, certamente ela deveria ser aplicada na população de forma massiva.
Esperamos e desejamos muito o desenvolvimento de um imunizante com essas características. Atualmente, há duas vacinas sendo estudadas – uma da Takeda, já em fase de solicitação de registro, e outra do Butantan. Ambas são bastante promissoras, de acordo com as informações preliminares, o que nos deixa animados.
Quais outras medidas vêm sendo implantadas para vencer a dengue no Brasil? Entre as novas tecnologias desenvolvidas e implementadas, eu destaco os mosquitos transgênicos [que, quando se reproduzem, geram filhotes estéreis, o que, ao longo do tempo, pode eliminar a espécie]. Em Niterói e em Campo Grande, no Rio de Janeiro, por exemplo, esses mosquitos ajudaram a reduzir a doença e se mostraram eficazes. A única dificuldade é que ainda tem um custo alto, e é preciso soltá-los o tempo todo – já que, como os mosquitos incomodam, as pessoas os matam.
A ONU divulgou uma iniciativa para combater as arboviroses que visa a prevenção. O Brasil demonstrou apoio, mas é uma área de preocupação mundial.
Como analisa essa iniciativa? Nos tornamos uma preocupação mundial porque as autoridades sanitárias sabem que a área de expansão dos vetores das arboviroses está aumentando e é preciso ter o máximo de controle nos principais focos. Esse é mais um indício da necessidade de investir cada vez mais em campanhas, no trabalho dos agentes de saúde, em novas tecnologias e em vacinas. Atualmente, basta uma tampinha de refrigerante jogada no chão com um pouco de água dentro para estarmos em perigo.

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