O NOVO CERCO À DENGUE

Revista Veja Saúde
22/11/21
REGIÃO
Sudeste
LOCALIDADE
Brasil - São Paulo
CIRCULAÇÃO
41.500
VALOR PUBLICITÁRIO
R$ 29.126,03

Ela é um dos tormentos da saúde pública brasileira, se agravou na última década e, apesar de ter aparecido muito menos no noticiário por causa do coronavirus, continuou aprontando pelo pais. Segundo o Ministério da Saúde, os dois anos com mais casos de dengue registrados por aqui foram, respecliva- mente, 2015 e 2019, com mais de 1,5 milhão de episódios estimados cada um. Mesmo sendo alvo de campanhas de conscientização todo verão, ainda que a doença dê as caras nos 12 meses, o combate ao Ae- des ueg\’pti. mosquito que transmite o vírus entre nós, sofreu um duro baque na pandemia. Com os esforços destinados à Covid-19, o antigo inimigo íicou em segundo plano, seguiu fazendo vitimas e, agora, com a vacinação freando o coronavirus e as pessoas ensaiando um retomo à normalidade, especialistas temem que adengue volte com tudo em2022.
“Os picos epidêmicos acontecem de três a cinco anos, então era esperada uma redução em 2020 e 2021. Só que houve subnotitlcação dos casos devido à atenção dos médicos estar direcionada à Covid-19”, nota a infectotogista Melissa Falcão, da Comissão de Arbovüoscs da Sociedade Brasileira de Infcctologia (SB1). A consequência é uma espécie de apagão nos dados concretos e projeções mais turvas para o curto prazo, Até o inicio de outubro deste ano, computavam-se 477 mil casos prováveis de dengue no país. É uma redução de quase 50% em relação ao mesmo período de 2020. Cabe lembrar que esse foi o primeiro
ano da pandemia. mas não houve uma piora na sub- notificação na época em que a doença costuma ter seu pico, o verão, uma vez que o primeiro caso confirmado de Covid-19 só ocorreu no final de fevereiro
'As condições meteorológicas tem influência direta na proliferaçãodos mosquitos. O verão aumenta o risco por causa das chuvas e da elevação de temperatura, pois as fêmeas procuram locais quentes e com água parada para depositar os ovos", explica Melissa. "Os cuidados, porém, devem permanecer o ano todo, jã que os ovos podem sobreviver no ambiente por até 450 dias", enfatiza. Tão logo liaja uma pequena quantidade de agua ã disposição daquele ovinho resistente, a larva do mosquito é liberada. A recomendação da infectologista sc aplica ao Brasil inteiro. Embora historicamente o Nordeste e o Sudeste sejam responsáveis por quase dois terços dos contágios, o cenário muda quando se consideram números proporcionais.
Em 2021, o Centro-Oeste tinha menos casos absolutos do que essas duas regiões, mas liderava o indice per capita (episódios a cada 100 mil habitantes). Foram mais de495. ante os 216,8 da segunda colocada, a Região SuL O estado mais afetado propordonalmente ficava cm outra parte do Brasil: o Acre teve 1512 casos por 100 mil habitantes, enquanto nenhum outro estado sequer chegou a 600. Como não há tratamento especifico para a infecção—o foco é o alivio dos sintomas —, a mobilização deve se centrar na prevenção da transmissão do vírus. “E a forma mais eficaz é o combate ao mosquito" ressalta a médica da SBI.
O que hoje parece impossível o Brasil coaseguiu em 1955: na época, diante da escalada de casos de febre amarela, outro mal disseminado pelo Aedes, o governo promoveu campanhas de fumigação pelo país c considerou o mosquito erradicado. Mas. na década seguinte, ele voltou, trazido acidentalmente por navios que vinham de outros continentes. E veio para tlear. aproveitando-se da urbanização caótica e da falta de saneamento básico. "Hoje não se fala mais em erradicação do mosquito. A ideia é conseguir controlar a população em um nivcl em que ela fique reduzida a ponto de não haver transmissão da dengue", contextualiza a bióloga Margareth Capur- ro, professora da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora de um projeto de pesquisa com linha- gens geneticamente modificadas du inseto.
Mosquitos transgênicos versus mosquitos da natureza: eis o plano que envolve alterar o DNA do Aedes para minar sua proliferação no meio ambiente. Funciona assim: insetos geneticamente modificados são criados em laboratório e colocados em unia área para se reproduzir entre os nativos, só que parte da prole não consegue sobreviver, enquanto a outra carrega um gene que limita a expansão das gerações seguintes. Esse é o principio por trás da tecnologia desenvolvida pela empresa britânica Oxilec e trazida há uma década para o Brasil O emprego dos mosquitos transgênicos em ddades do interior paulista foi capaz de suprimir mais de 95% da população de Aedes.
A evolução (e popularização) dessa tática está disponível a partir deste mês com a Caixa do Bem, que pode ser comprada por qualquer governo, condom i- nio ou pessoa física. Em vez de soltar mosquitos adultos no ambiente, como em fases anteriores, a caixa con ta com ovos e insumos para que o Aedes trans- génico passe seu ciclo de vida no lugar onde a novidade for instalada. "O mosquito adulto é sensível à temperatura e muitas vezes não sobrevive ao transporte. A caixa é mais viável e fácil de escalonar", diz Natalia Ferreira, diretora-geral da Oxitec no Brasil.
A ideia é alargar frentes de batalha contra o velor. “A dengue é um problema tão sério que precisamos combinar essas novas ferramentas às demais práticas”. pontua Natalia. Outra proposta que mira a proliferação do mosquito são cápsulas boladas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com óleorie tomilho, produto que consegue aniquilar as larvas do Aedes, que saem dos ovos após três dias na água. “A cápsula só começa a liberar o óleo aos poucos depois desse período”, conta a engenheira quimica Ana Silvia Prata, líder dos estudos. Nos testes realizados em Adamantina (SP), a estratégia, que aguarda aval da Anvisa, eliminou até 100% das larvas em 48 horas.
Em vez de atacar a reprodução dos mosquitos, um método levado a cabo pelo Ministério da Saúde em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fio- cruz) atua em sua capacidade de espalhar doenças. Os protagonistas do projeto são as bactérias do tipo Wolbachia. Presentes naturalmente em alguns mosquitos, elas impedem que o vims da dengue se desenvolva dentro do inseto. A sacada aqui é inserir cada vez mais Aedes com esses micro-organis- mos no ambiente, criando uma população menos danosa aos seres humanos. “Nesse caso, não há nenhuma modificação genética, nem no mosquito nem na bactéria”, esclarece Melissa.
Ok, mas e a vacina contra a dengue? Tem boas notícias à vista nesse departamento também. Façamos um retrospecto antes: cm 2016, a Sanofi-Pas- teur trouxe ao Brasil o primeiro imunizante do gênero, aprovado após estudos mundo afora. Só que, pouco depois do lançamento, veio um percalço: descobriu-se que os vacinados que nunca haviam conlraido dengue podiam ler um caso mais grave da doença caso fossem infectados posteriormente. Com isso, o produto é restrito hoje a pessoas de 9 a 45 anos que tiveram dengue antes.
Agora, a nova aposta para atingir um público bem mais amplo é uma vacina da Takeda em vias de aprovação pela An visa. “Não foram observadas nas pesquisas reações com soronegativos Iquem não teve dengue na vida], como no caso da outra vacina. No acompanhamento até três anos depois da aplicação, não houve nenhum risco desse tipo”, relata Abner Lobão, diretor-executivo de assuntos médicos da Takeda no Brasil. Os avanços pela imunização, contudo, não significam que poderemos baixar a guarda contra o Aedes. Afinal, mesmo com a dengue subjugada, o mosquito continua espalhando chi kungunva, zika c febre amarela.
Nesse sentido, precisamos melhorar as estratégias já consagradas, mas nem sempre adotadas. Ampliar o saneamento, evitar focos de água parada, utilizar repelente... Após o surto de casos de microcefalia em bebês provocados pelo zika virus no Nordeste em 2015, por exemplo, a doença nunca mais voltou àquele patamar em grande parte devido ao esforço na região para minimizar a presença do Aedes. Na visão da médica da SBI, o enfrentamento do mosquito tem de virar rotina para a população. “Pelo menos uma vez na semana devemos verificar se os focos de água parada estão limpos ou cobertos”, orienta Melissa. No cereo a dengue e afins, o clássico e o moderno não só podem conviver como armam a sinergia mais protetora.

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