Em 2008, a Organização Européia de Doenças Raras (Eurordis) estabeleceu 0 Dia Mundial das Doenças Raras. A partir de então, 0 último dia do mês de fevereiro é dedicado a ações voltadas à conscientização sobre a complexidade dessas condições. São conhecidas entre 6 000 e 8 000 doenças raras, em geral com origem em alterações genéticas. Isoladamente, elas compreendem 65 casos em grupos de íoo 000 habitantes;1 somadas, afetam em torno de 13 milhões de brasileiros.2 Para Ida Schwartz, chefe do serviço de genética médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, as dificuldades começam no diagnóstico, uma vez que mesmo entre os profissionais de saúde ainda há muitas lacunas na formação no que diz respeito a essas condições. “Só que cada dia sem tratamento conta. Lembrando que 30% dos pacientes morrem antes dos 5 anos de idade”, destaca Antoine Daher, presidente da Casa Hunter.
O atraso no encaminhamento ao especialista faz com que se perca uma janela de tempo importante para 0 controle da doença. “Há grupos em que a criança se desenvolve bem até uma determinada idade e então começa a ter uma regressão neurológica”, exemplifica Ida. O ideal, portanto, seria agir antes dos primeiros C-ANPROM/BR/INI/0136 Mar2i - Material destinado ao público geral sintomas - daí a importância de ampliar a pesquisa dessas condições por meio do teste do pezinho, natriagem neonatal. “Pelo Sistema Único de Saúde, é possível rastrear seis doenças, entre elas a fenilcetonúria, que, identificada e tratada no primeiro mês do nascimento, não progride, evitando 0 retardo mental", diz Ida.
Solange Valle, chefe do Serviço de Imuno-logia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aponta outro obstáculo aos cuidados para essa população: a falta de centros especializados. Num país com as dimensões do Brasil, são apenas 17 os estabelecimentos habilitados como serviço de referência.3 Não à toa, conta a médica, problemas como angioedema hereditário - causado pela falta de uma proteína que desencadeia inchaços e dores e pode levar à morte por bloqueio nas vias aéreas - ainda obrigam 0 paciente a uma peregrinação por diferentes especialidades até chegar ao diagnóstico e ao tratamento adequado. A mesma situação acontece com outros tipos de doenças, como as imunodeficiências primárias e a doença de Fabry.
O manejo das doenças raras é complexo e pode requerer, além de medicamentos, suporte nutricional, fisioterapia e acompanhamento psicológico. “No caso da síndro-me do intestino curto, a abordagem pode exigir alimentação por meio de cateter, 0 que demanda orientação específica”, comenta Maria de Lourdes Teixeira da Silva, gastroenterologista especialista em nutrição parenteral e enteral.
Nas últimas décadas, felizmente, a ciência tem acelerado 0 desenvolvimento de novos medicamentos. Hoje, além dos tratamentos que visam melhorar as consequências, a reposição de enzimas faltantes no organismo é uma das abordagens capazes de frear a progressão de determinadas doenças raras, a exemplo da mucopolissacaridose do tipo II (ou sín-drome de Hunter), doença degenerativa que pode levar à perda de audição e afetar a função cardíaca e pulmonar, causando infecções recorrentes.
Para Antoine Daher, que é também presidente da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas), a medicina vem passando por uma transformação. “Por isso, é preciso modernizar nosso sistema de saúde e discutir modelos para agilizar a aprovação e incorporação de novos medicamentos de maneira a democratizar 0 acesso aos tratamentos”, justifica.
' Rare disease day. Disponível em: https://www.rarediseaseday.org/events/world. Acesso em fev 2020.
2 Muitos Somos Raros. Disponível em: https://muitossomosraros. com.br/visao-geral/raras-porque. Acesso em fev 2020.
3 Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/ assuntos/saude-de-a-a-z-i/d/doencas-raras. Acesso em fev 2020.